Meu Irmao Jorge
Tu, um intelectual perdido entre os mundos, gostavas mais do Escritor Antonio Lobos Antunes do que marmelada. Grandes conversas em torno das memorias de elefante. Que saudades eu tenho de ti.
Hoje, dei conta de um artigo do teu mais que tudo LOBO ANTUNES. Parecia que estava a falar contigo. Tal e qual aquilo que pensaves, está tudo aí. Tanta conversa e resumidamente está tudo neste artigo de opiniao.
Quero dedicar-te esta leitura e sei que muito apreciarás.
Mando-te um forte e sentido abraço. Tudo para ti Meu Irmao.
Maximino Canhola
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"Portugal visto por Lobo Antunes
Nação valente e imortal
Agora sol na rua a fim de me melhorar a disposição,
me reconciliar com a vida. Passa uma senhora de saco de compras: não estamos
assim tão mal, ainda compramos coisas, que injusto tanta queixa, tanto lamento.
Isto é internacional, meu caro, internacional e nós, estúpidos, culpamos logo
os governos. Quem nos dá este solzinho, quem é? E de graça. Eles a trabalharem
para nós, a trabalharem, a trabalharem e a gente, mal agradecidos, protestamos.
Deixam de ser ministros e a
sua vida um horror, suportado em estóico silêncio. Veja-se,
por exemplo, o senhor Mexia, o senhor Dias Loureiro, o senhor Jorge Coelho,
coitados. Não há um único que não esteja na franja da
miséria. Um único. Mais aqueles rapazes generosos, que, não
sendo ministros, deram o litro pelo País e só por orgulho não estendem a mão à
caridade. O senhor Rui
Pedro Soares, os senhores Penedos pai e filho, que isto da
bondade as vezes é hereditário, dúzias deles. Tenham o sentido da realidade,
portugueses, sejam gratos, sejam honestos, reconheçam o que eles sofreram, o
que sofrem. Uns sacrificados, uns Cristos, que pecado feio, a ingratidão. O
senhor Vale e Azevedo, outro santo, bem o exprimiu em Londres. O
senhor Carlos Cruz, outro
santo, bem o explicou em livros. E nós, por pura maldade, teimamos em não entender. Claro que há povos ainda piores do que o nosso: os islandeses, por
exemplo, que se atrevem a meter os beneméritos em tribunal. Pelo menos nesse
ponto, vá lá, sobra-nos um resto de humanidade, de respeito. Um pozinho de
consideração por almas eleitas, que Deus acolherá decerto, com especial
ternura, na amplidão imensa do Seu seio. Já o estou a ver
- Senta-te aqui ao meu lado ó
Loureiro
- Senta-te aqui ao meu lado ó Duarte Lima
- Senta-te aqui ao meu lado ó Azevedo que é o mínimo que se pode fazer por
esses Padres Américos, pela nossa interminável lista de bem-aventurados,
banqueiros, coitadinhos, gestores que o céu lhes dê saúde e boa sorte e demais
penitentes de coração puro, espíritos de eleição, seguidores escrupulosos do
Evangelho. E com a bandeirinha nacional na lapela, os patriotas, e com a arraia
miúda no coração. E melhoram-nos obrigando-nos a sacrifícios purificadores,
aproximando-nos dos banquetes de bem-aventuranças da Eternidade.
As empresas fecham, os
desempregados aumentam, os impostos crescem, penhoram casas, automóveis, o ar
que respiramos e a maltosa incapaz de enxergar a capacidade purificadora destas
medidas. Reformas ridículas, ordenados mínimos irrisórios, subsídios de
cacaracá? Talvez. Mas passaremos sem dificuldade o buraco da agulha enquanto os
Loureiros todos abdicam, por amor ao próximo, de uma Eternidade feliz. A
transcendência deste acto dá-me vontade de ajoelhar à sua frente. Dá-me
vontade? Ajoelho à sua frente indigno de lhes desapertar as correias dos
sapatos.
Vale e Azevedo para os
Jerónimos, já!
Loureiro para o Panteão já!
Jorge Coelho
para o Mosteiro de Alcobaça, já!
Sócrates para a Torre de
Belém, já! A Torre de Belém não, que é tão feia. Para a Batalha.
Fora com o Soldado
Desconhecido, o Gama, o Herculano, as criaturas de pacotilha com que os livros
de História nos enganaram.
Que o Dia de Camões passe a
chamar-se Dia de Armando Vara.
Haja sentido das proporções, haja espírito de medida, haja respeito. Estátuas
equestres para todos, veneração nacional. Esta mania tacanha deperseguir o senhor Oliveira e Costa: libertem-no. Esta pouca vergonha contra os poucos que
estão presos, os quase nenhuns que estão presos como provou o senhor Vale e
Azevedo, como provou o senhor Carlos
Cruz, hedionda perseguição pessoal com fins inconfessáveis.
Admitam-no. E voltem a pôr o senhor Dias
Loureiro no Conselho de Estado, de
onde o obrigaram, por maldade e inveja, a sair. Quero o senhor Mexia no
Terreiro do Paço, no lugar D. José que, aliás, era um pateta. Quero outro
mártir qualquer, tanto faz, no lugar do Marquês de Pombal, esse tirano. Acabem
com a pouca vergonha dos Sindicatos. Acabem com as manifestações, as greves, os
protestos, por favor deixem de pecar. Como pedia o doutor João das Regras,
olhai, olhai bem, mas vêde. E tereis mais fominha e, em consequência, mais
Paraíso. Agradeçam este solzinho. Agradeçam a Linha Branca. Agradeçam a sopa e
a peçazita de fruta do jantar. Abaixo o Bem-Estar.
Vocês falam em crise mas as
actrizes das telenovelas continuam a aumentar o peito: onde é que está a
crise, então? Não gostam de olhar aquelas
generosas abundâncias que uns violadores de sepulturas, com a alcunha de
cirurgiões plásticos, vos oferecem ao olhinho guloso? Não comem carne mas podem
comer lábios da grossura de bifes do lombo e transformar as caras das mulheres
em tenebrosas máscaras de Carnaval.
Para isso já há dinheiro, não
é? E vocês a queixarem-se sem vergonha, e vocês cartazes, cortejos, berros.
Proíbam-se os lamentos injustos. Não se vendem livros? Mentira. O senhor Rodrigo dos Santos vende e, enquanto vender, o nível da nossa cultura ultrapassa,
sem dificuldade, a Academia Francesa. Que queremos? Temos peitos, lábios,
literatura e os ministros e os ex-ministros a tomarem conta disto.
Sinceramente, sejamos justos,
a que mais se pode aspirar? O resto são coisas insignificantes: desemprego,
preços a dispararem, não haver com que pagar ao médico e à farmácia, ninharias.
Como é que ainda sobram criaturas com a desfaçatez de protestarem? Da mesma
forma que os processos importantes em tribunal a indignação há-de, fatalmente,
de prescrever. E, magrinhos, magrinhos
mas com peitos de litro e beijando-nos uns aos outros com os bifes das bocas
seremos, como é nossa obrigação, felizes.
(crónica satírica de António Lobo
Antunes, in visão abril 2012)"